“O México é o único país da América Latina que optou por este esquema para a abundante faixa de 700 MHz. O resto dos países decidiu pela forma tradicional de outorga do espectro: a operadores privados, por licitação.”
Irene Levy*/ México, junho de 2015
No final de 2012, o México deu início a um acordo político para realizar mudanças constitucionais em vários temas fundamentais para o desenvolvimento da sociedade e da atividade econômica no país. As chamadas “reformas estruturais” englobaram as áreas de educação, recursos energéticos, política e telecomunicações. Esta última foi concretizada em 11 de junho de 2013, dia em que foi publicada no Diário Oficial da Federação a Reforma Constitucional em Matéria de Telecomunicações, Radiodifusão e Competência Econômica (de aqui em diante, a chamaremos apenas de “Reforma”).
¿O QUE É A REDE COMPARTILHADA POR ATACADO?
Um dos conceitos incluídos na Reforma – e que tem gerado bastante polêmica – é a chamada “rede compartilhada por atacado de serviços” (daqui em diante, “a Rede”), a qual se refere o Artigo 16º transitório da Reforma, que estabelece que o Estado, por meio do Poder Executivo Federal, de forma coordenada com o Instituto Federal de Telecomunicações (IFETEL), deve garantir a instalação de uma rede pública compartilhada de serviços sem fio (wireless) por atacado, que promova o acesso efetivo da população à comunicação de banda larga e aos serviços de telecomunicações. De acordo com a Constituição, esta rede por atacado terá as seguintes características:
– A instalação será iniciada antes de 2014 e estará em operação antes do fim do ano de 2018;
– Contemplará o aproveitamento de 90 MHz na faixa 700 MHz de recursos da rede de troncos de fibra ótica da Comissão Federal de Eletricidade (CFE) e de qualquer outro ativo do Estado que possa ser utilizado;
– Assegurará que nenhum prestador de serviços de telecomunicações tenha influência na operação da rede;
– Operará sob princípios de compartilhamento de toda sua infraestrutura e prestará exclusivamente serviços às empresas comercializadoras e operadoras de redes de telecomunicações, sob condições de não discriminação e a preços competitivos; e
– Promoverá uma política tarifária da rede compartida que fomente a competência e assegure o reinvestimento de lucros na atualização, no crescimento e na cobertura universal.
O OBJETIVO DA REDE POR ATACADO
Com a alocação de todo o bloco de 90 MHz em uma só rede, a intenção é otimizar o uso do espectro e minimizar os custos de operação; além disso, diminuir os preços aplicados ao usuário final; alcançar uma cobertura de 98% da população, inclusive em zonas rurais; tornar sua capacidade disponível a todos os operadores, inclusive os virtuais, com o propósito de multiplicar a competência nos serviços finais. A estimativa é de que seja necessário um investimento de US$10 bilhões em 10 anos para alcançar esse objetivo.
DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
O México é o único país da América Latina que optou por este esquema para a abundante faixa de 700 MHz. O resto dos países decidiu pela forma tradicional de outorga do espectro: a operadores privados, por licitação. Discutir as vantagens e desvantagens do esquema proposto sobre a licitação a três ou quatro operadores já é inútil, pois a rede por atacado é um preceito constitucional – mesmo que ainda não saibamos como esse projeto será implementado. Na realidade, a Secretaria de Comunicações e Transportes (SCT) já descumpriu o prazo fixado na Constituição, uma vez que a construção não começou em 2014.
A verdade é que a má redação constitucional não ajuda na implementação da Rede. Ninguém sabe como deve ser feita, mesmo que tudo indique, com base no que foi proposto por diversos estudos e pela própria Reforma, que a nova rede poderia operar por meio de uma Associação Público-Privada (APP). À sociedade que seja constituída, o Estado ofertaria o espectro radioelétrico e outros insumos essenciais para sua operação, e os particulares que ganhem a licitação investiriam na infraestrutura necessária para a construção e operação da rede, e prestariam os serviços. Com os dados que temos disponíveis podemos supor que nenhum dos que são atualmente concessionários móveis poderá participar da licitação, e que o Estado não vai operar diretamente a Rede. De qualquer forma, deverá assegurar a neutralidade competitiva, a fim de garantir que não seja criada uma estrutura de mercado que lese a concorrência. Algumas regras sobre o tema foram incluídas à nova Lei Federal de Telecomunicações e Radiodifusão, publicada no Diário Oficial da Federação em 14 de julho de 2014.
Há alguns meses, a SCT publicou uma solicitação de Manifestação de Interesse (MDI) que pretende, por um lado, motivar a credibilidade da comunidade internacional de que, agora sim, o projeto vai para frente e não tem volta. Na realidade, ele já está 18 meses atrasado. Esta dinâmica prevê cinco etapas para a licitação da Rede, que serão realizadas ao longo de 30 semanas e terminarão com a publicação das normas em novembro de 2015:
- Solicitação internacional de MDI, para confirmar o interesse de possíveis participantes na licitação. Esta parte está pouco clara, porque se por um lado parece uma consulta aberta a todos que queiram opinar, por outro parece que se limita a potenciais participantes à licitação.
- Sessões informativas para retroalimentação e esclarecimentos sobre o projeto.
- Consulta pública das normas preliminares da licitação.
- Outra ronda de sessões informativas.
- Publicação da Licitação Pública (sic).
Não diz que se trata das normas, mas suponho que se refira a isso.
Veremos se esta dinâmica funciona. O certo é que há cada vez mais dúvidas sobre se realmente esta é a melhor forma de utilizar o escasso e valioso espectro da faixa de 700 MHz. O problema é que para mudar o esquema de outorga deste espectro, seria necessário modificar a Constituição. Assim, a SCT está centrada na arquitetura do projeto e o Instituto Federal de Telecomunicações já prepara a lista de obrigações específicas que deverão fazer parte do título de concessão. Neste momento, várias são as vozes que já se pronunciaram sobre o tema. A esse respeito, vale a pena ler a nota oficial do Conselho Consultivo do IFETEL.
Esta experiência mexicana está sob a lupa de outros reguladores e, claro, da indústria. Se tudo vai bem, poderia mudar o ecossistema das telecomunicações no país e diminuir os altos níveis de concentração. Caso contrário, teremos perdido tempo, recursos e credibilidade.
* Presidenta do Observatel e professora da Universidade Iberoamericana. Este artigo reflete a opinião pessoal da autora. Twitter: @soyirenelevy
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