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Concentração de mídia na Costa Rica: séria limitação para pensar e exercer a comunicação como um direito humano

«O cenário midiático costarriquenho é uma expressão dos processos sociopolíticos que se desenvolveram no país nas últimas décadas. «

Lisbeth Araya, Adrián Avendaño e Eva Carazo*/  Costa  Rica, setembro de 2014 

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O cenário midiático costarriquenho é uma expressão dos processos sociopolíticos que se desenvolveram no país nas últimas décadas. Robles e Voorend (2012) indicam que os meios de comunicação massiva tradicionais, especialmente a televisão e o rádio, cumpriram um papel importante no processo de transnacionalização e diversificação dos grupos de poder econômico no país no marco das profundas transformações socioeconômicas vividas na América Central a partir dos anos 80.

A crise desses anos e o período de instabilidade subsequente significaram a quebra estrutural do modelo de Estado intervencionista na Costa Rica, assim como a ascensão de um grupo de tecnocratas-políticos que começaram a implementar, em acordo com instituições financeiras internacionais, uma série de medidas de ajuste orientadas ao que se pode chamar um modelo reformista neoliberal que contemplava a liberalização de mercados, a privatização de empresas públicas e a desregulação (Robles e Voorend, 2012).

Em termos de estruturas sociais, os grupos de poder mantiveram suas estreitas vinculações com os espaços de decisão política e aumentaram sua participação nos novos espaços de acumulação econômica, em particular os setores financeiro, turístico e imobiliário.

Robles e Voorend (2012) indicam, também, que os meios de comunicação se tornaram também um espaço privilegiado para o investimento transnacional, o que gerou um acelerado processo de concentração nas últimas duas décadas: Um exemplo da transnacionalização dos meios é o caso de Ángel González, dono de ao menos 30 canais de televisão e 70 rádios na América Latina e que não deixou de fora a Costa Rica. Na televisão, seu grupo Repretel é dono dos canais 4, 6 e 11.1 No rádio, por trás da compra do Grupo de Comunicação Monumental em 2006, garantiu seu controle sobre (…) o que atualmente se conhece como Central de Rádios (…). Em matéria de rádio, 35 das emissoras estão em mãos de cinco grupos radiofônicos, enquanto o Estado é dono unicamente de 11 % das licenças de rádio. (…) Na televisão aberta compete com Ángel González, a empresa TELETICA da família Picado Cozza que controla os canais 7 e 33, a qual é dona também das empresas de televisão à cabo Cable Tica e Cable Color.(Robles e Voorend, 2012: 152-154).

De forma simultânea, com o processo de concentração da propriedade dos meios, estes têm cumprido um importante papel como articuladores e justificadores do modelo neoliberal (Sandoval, 2007: 306), assim como na reprodução da trama de relações entre interesses econômicos, políticos e midiáticos no cenário costarriquenho contemporâneo (Fournier-Pereira, 2009).

A Costa Rica tem então um cenário midiático caracterizado por uma intensa imbricação de interesses econômicos e políticos que promovem de forma ativa a consolidação material e simbólica de um modelo econômico neoliberal, processos que se facilitam pela significativa concentração da propriedade dos meios de comunicação e pela consequente ausência de vozes alternativas com possibilidades reais de incidência em tais cenários. “Quanto maior a audiência maior é a concentração da publicidade, situação que exclui os outros do mercado.” (Robles e Voorend, 2012: 152).

Normativa e regulações

Para construir e proteger a comunicação como um direito parece imprescindível entender sua vinculação com diversos processos socioculturais necessários para a convivência; ao mesmo tempo, se requer gerar ferramentas que permitam essa proteção. Tanto na comunicação como inter-relação como construção de sentidos sociais se envolvem interesses e relações de poder, se torna indispensável estabelecer estruturas jurídicas que permitam reconhecer o direito humano à comunicação, assegurar seu cumprimento mediante políticas públicas, assim como regular o acesso e uso dos meios e tecnologias que facilitam ou dificultam seu exercício.

Apesar de que a Constituição Política da Costa Rica garante, por exemplo, a liberdade de reunião, de manifestação e de expressão, mediante os artigos 26 ao 29 (Constituição Política da República da Costa Rica, 1949), o direito à comunicação como tal não está reconhecido na legislação aplicável no país. Ao contrário, o cenário jurídico nacional é bastante frouxo na área, e as carências de regulação jogam contra o reconhecimento e a proteção da comunicação como um direito coletivo e universal (Salas, comunicação pessoal, 11 de julho, 2012).

A seguir são revistos alguns dos principais conteúdos da legislação costarriquenha relacionados com as comunicações, em particular com a possibilidade de garantir a comunicação como um direito.

Lei de Rádio

A Lei de Rádio n° 1758 data de 1954 e, depois de diversas reformas, mantém unicamente doze artigos substantivos vigentes, o primeiro dos quais indica o domínio estatal e a administração dos serviços sem fio (isto inclui rádio e televisão), ou seu uso por particulares mediante concessão das frequências públicas ou a outorga das mesmas em condições especiais. Esta lei, constituiu historicamente a base para a outorga de frequências públicas no país, apesar de ser insuficiente para as condições atuais.

No fundamental esta lei da Assembleia Legislativa da Costa Rica de 1954 contempla:

a) Um procedimento básico para obter concessões (artigo 7)

b) O reconhecimento da responsabilidade solidária dos donos de radiodifusoras se permitem com culpa ou dolo transmissões contrárias à lei (artigo 8)

c) O estabelecimento de uma cessão de meia hora semanal ao Estado por parte de radioemissoras e televisões comerciais (artigo 11)

d) A regulação das porcentagens de produção estrangeira a transmitir assim como os impostos a cobrar pela mesma (artigo 11)

e) A proibição de algumas ações como o uso de linguagem contrária aos bons costumes ou “proporcionar informações ao inimigo em caso de guerra” (artigoo 17c, 17ch, 17h)

f) A instauração de impostos anuais à radiodifusão entre ¢1000 e ¢3000, pagamento com o qual se garante a prorrogação automática das concessões (artigo 18).

Apesar de que se proíbe a transferência ou a alienação de direitos sobre as frequências sem prévia autorização do Estado, tal prática não é sancionada, e, ao contrário, se realiza abertamente no cenário nacional (Salas, comunicação pessoal, 11 de julho, 2012).

A Lei de Rádio costarriquenha resulta desatualizada para o contexto presente do país e do mundo, e insuficiente para regular o funcionamento de meios fundamentais na comunicação coletiva como o são o rádio e a televisão. A crescente concentração de frequências nas mãos de conglomerados nacionais e internacionais é, sem dúvida, facilitada pelos hiatos desta legislação.

Em seu artigo de opinião “A insólita entrega de frequências de rádio e televisão ao setor privado”, Villalobos (2012) destaca como com a aplicação inicial da Lei de Rádio n°1758 se entregaram (quase em caráter vitalício) as frequências de rádio e televisão ao setor privado, favorecendo a concentração dos meios em poucos núcleos familiares no âmbito nacional, tal como foi descrito por Robles e Voorend, e em consonância com a tendência centroamericana descrita por Becerra e Mastrini (2009) em seu libro “Los dueños de la palabra”: O fenômeno das telecomunicações tem sido pobremente regulado pelo Governo da Costa Rica (…) a regulação provém de regulamentos (…) os quais sempre têm sido volúveis aos interesses dos políticos da vez (…) os padrões para o uso das frequências não têm sido atualizados nos últimos 40 anos, devido às pressões dos concessionários(…) (Villalobos, 2012).

A concentração de meios atenta diretamente contra um princípio inerente na relação com o direito à comunicação: o pluralismo (Becerra e Mastrini, 2009; Villalobos, 2012).

Lei Geral de Telecomunicações

Outra normativa relevante neste tema na Costa Rica é a Lei Geral de Telecomunicações n. 8642, aprovada em junho de 2008 no marco da implementação do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, e orientada basicamente a permitir o uso do espectro radioelétrico às companhias privadas de telefonia e telecomunicações no novo cenário de abertura de tais serviços.

Resulta interessante analisar, por exemplo, o artigo 29 da citada Lei, o qual indica o seguinte: (…) o aproveitamento da radiodifusão sonora e televisiva, por seus aspectos informativos, culturais e recreativos, constitui uma atividade privada de interesse público. A outorga de concessões e a prestação dos serviços de radiodifusão e televisão continuarão regendo-se pelo disposto na Lei de rádio, nº 1758 (…) suas reformas e seu Regulamento. À SUTEL corresponderá realizar as atividades e os estudos necessários para preparar a concorrência da concessão e recomendar ao Poder Executivo a outorga ou não destas concessões (…) sem prejuízo do disposto neste artigo, as redes que servirem de suporte aos serviços de radiodifusão e televisão, ficam sujeitas à presente Lei no disposto em matéria de planificação, administração e controle do espectro radioelétrico, acesso e interconexão e ao regime setorial de competência previsto nesta Lei(…) (Lei Geral de Telecomunicações da Costa Rica nº 8642, 2008. Ênfase adicionada)

Este artigo define a radiodifusão como uma atividade necessariamente privada, o que dificulta seu reconhecimento como direito coletivo, ainda quando se a considera de interesse público. No mesmo sentido, enquanto os serviços de radiodifusão seguirem regendo-se pela antiga e débil Lei de Rádio, que como se tem visto facilita concessões quase vitalícias, as redes e o espectro radioelétrico que permite a existência de tais serviços passam a se regular no marco da Lei Geral de Telecomunicações. Isto significa, por exemplo, que as novas tecnologias de informação e comunicação se desenvolveram no país sob a lógica da competição comercial que impera nesta lei e, igual ao que sucedeu com a rádio e a televisão, a perspectiva de garantir o direito coletivo à comunicação estaria ausente nesse desenvolvimento.

Lamentavelmente, o anterior desvirtua os artigos 2 e 3 da própria lei, nos quais se contemplam princípios diretores dignos de serem resgatados como a universalidade, a solidariedade, o benefício do usuário e a transparência. (Lei Geral de Telecomunicações da Costa Rica nº 8642, 2008).

* Extrato de um artigo publicado no Anuário de Estudos Centroamericanos e apresentado no XII Congresso da ALAIC em Lima, Peru, em 8 de agosto

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