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Análisis - Global

Concentração na internet: novos desafios para a liberdade de expressão na América Latina

Olívia Bandeira* e Jonas Valente **

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No Brasil, o cenário online é marcado pela hegemonia das grandes plataformas internacionais e pela concentração de audiência em portais pertencentes aos grupos tradicionais de mídia, com pouco espaço para novas vozes.

A concentração da mídia é um problema histórico na América Latina. Em diversos países, grandes conglomerados de comunicação concentram há décadas grande parte da audiência em segmentos como mídia impressa, TV e rádio. Nos últimos anos, cresceu também a propriedade cruzada dos meios, passando os grandes conglomerados cada vez mais a dominar outros mercados, como o de mídia digital, TV por assinatura, cinema e mesmo telecomunicações, como mostra a pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia, realizada por iniciativa da Repórteres Sem Fronteiras, em cinco países do continente (Argentina, Brasil, Colômbia, México e Peru).

A internet, que surgiu como promessa de alternativa a esta concentração, com sua arquitetura original propícia à pluralidade de circulação de informações, não conseguiu alterar significativamente este cenário. Ao contrário, o problema da concentração permanece no ambiente digital, acrescido agora de uma nova camada, com grandes plataformas controlando grande parte do mercado, da atenção dos usuários e do fluxo de informações que circulam online.

Diante da convergência tecnológica e do poder da informação nos processos políticos do continente, acreditamos ser cada vez mais importante discutir as formas tradicionais de concentração em paralelo à concentração na internet, uma vez que elas reforçam-se mutuamente. No Brasil, por exemplo, o cenário online é marcado pela hegemonia das grandes plataformas internacionais e pela concentração de audiência em portais pertencentes aos grupos tradicionais de mídia, com pouco espaço para novas vozes, como mostra a pesquisa “Concentração e Diversidade na Internet: um estudo da camada de aplicações e conteúdos”, realizada pelo Intervozes.

A pesquisa teve como objetivo identificar o grau de concentração e diversidade tomando como base a camada de aplicações e conteúdos acessada por usuários brasileiros, a partir de quatro critérios relevantes na circulação de discursos e mensagens online: os sites mais acessados, os aplicativos mais baixados, as páginas de Facebook com maior número de seguidores e os canais mais populares no YouTube. Vejamos os resultados dos dois primeiros critérios.

A partir de dados de dezembro de 2017, o estudo mostrou que os sites que atuam com produção e distribuição de conteúdo mais acessados no Brasil são plataformas de circulação de conteúdos como o YouTube (30%); de redes sociais (17%), como Facebook, Instagram, Whatsapp e Twitter; multisserviços (8%), como Yahoo.com; e e-mail (8%), como Gmail. As plataformas multinacionais dominam o ranking dos controladores desses sites: o Google e Facebook possuem, cada um, três sites na lista dos mais acessados, e a Microsoft, dois.

As plataformas também dominam os mercados de aplicativos: representam 63% dos apps baixados na Play Store e 75% dos apps da Apple Store, além de encabeçarem a lista da pesquisa Conectaí (Kantar IBOPE). As mais populares são as redes sociais digitais (Facebook, Instagram e Snapchat). A segunda categoria é a de streaming pago, com a presença de apps tanto de vídeo quanto de áudio.

A análise deste cenário deu origem ao que a pesquisa chamou de “monopólios digitais”, conceito que procura descrever as características da atuação dos grandes conglomerados digitais. Entre elas estão: (1) Forte domínio de um nicho de mercado; (2) Grande número de usuários, que pagam ou não pelos serviços; (3) Operação em escala global; (4) Espraiamento para outros segmentos para além do original; (5) Atividades intensivas em uso de dados pessoais coletados; (6) Controle de um ecossistema de agentes que desenvolvem serviços e bens mediados pelas suas plataformas e atividades; (7) Estratégias de aquisição ou controle acionário de possíveis concorrentes.

Os monopólios digitais não apenas concentram grande parte da atenção dos usuários, mas possuem uma arquitetura que ajuda na concentração dos agentes que já têm mais facilidade de circulação ou que usam de estratégias caça-cliques para atrair audiência. Como mostra a pesquisa, para além das grandes plataformas e empresas de conteúdo internacionais, os sites brasileiros de maior audiência pertencem aos grandes conglomerados brasileiros de mídia: Globo.com, do Grupo Globo, e UOL, do Grupo Folha. Além desses, aparecem na pesquisa apenas sites que usam manchetes e textos exagerados para gerar cliques e anúncios.

O já citado Monitoramento da Propriedade da Mídia mostra que esse cenário é comum na América Latina. Analisando os veículos noticiosos online de maior acesso, verifica-se que os portais mais acessados pertencem, também em outros países do continente, aos grandes grupos de comunicação.

No Peru, entre os dez sites de notícias com maior acesso (ComScore, 2015), sete pertencem ao Grupo El Comércio, maior conglomerado de mídia do país, proprietário de 16 dos 40 veículos de mídia de maior audiência (segmentos TV, rádio, mídia impressa e online), entre eles jornais impressos que somam 81% da tiragem e 78% da publicidade no segmento.

Também na Colômbia, os sites noticiosos mais acessados pertencem aos veículos impressos de maior tiragem, como El Tiempo, El Espectador e RCN. Como no Brasil, os sites informativos dos grandes grupos perdem em acesso apenas para as grandes plataformas digitais, como Facebook e Google, os dois sites mais acessadas no país, (Alexa).

Na Colômbia, na lista dos 11 sites de notícia mais acessados aparecem três que são considerados independentes (não atrelados a grandes grupos de comunicação). Mas isso não chega a mudar o cenário de concentração. Situação semelhante pode ser observada na Argentina e no México, onde as grandes plataformas e os sites de grupos tradicionais de mídia prevalecem entre os mais acessados, mas onde alguns veículos online independentes também possuem uma base relevante de usuários.

Os dados das duas pesquisas mostram o caráter contraditório da internet: enquanto há mais vozes na esfera da produção – produzindo através de sites, blogs e perfis em redes sociais – , a concentração é cada vez maior na esfera da circulação, com as grandes plataformas com poderes para estabelecer regras e padrões de circulação da informação.

O poder desses agentes vem de sua posição crescente no mercado global e também de características próprias de desenvolvimento da internet, com o formato de plataformas cada vez mais dominante. Neste formato, quanto maior o número de usuários, mais atraente a plataforma se torna, favorecendo a concentração e dificultando a entrada de novos agentes que poderiam representar concorrência. A dominação desses agentes também se beneficia do modelo de negócios baseado na coleta e processamento de dados pessoais: quanto maior a plataforma, mais dados esta controla, e maior sua vantagem no mapeamento de demandas e na oferta de bens e serviços.

Este cenário representa uma série de desafios à liberdade de expressão – da dificuldade de circulação da diversidade de vozes ao crescimento da desinformação e do discurso de ódio, passando pela vigilância e pelo uso de dados pessoais por governos e empresas -, o que demanda também novas formas de regulação.

* Olívia Bandeira – jornalista, doutora em antropologia e integrante do conselho diretor do Intervozes.

** Jonas Valente – jornalista, doutor em sociologia e integrante do conselho diretor do Intervozes.

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