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Digitalização da TV nem sempre significa mais diversidade e desconcentração de meios.

Gustavo Gómez. Director General de OBSERVACOM y docente de la Universidad Católica de Uruguay.

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 Salvo em alguns países, a análise da situação na região mostra que a digitalização dos canais de televisão aberta não está tendo como resultado uma mudança no mapa de propriedade do sistema de meios.

Os países latino-americanos se encontram em momentos distintos do processo de transição à televisão digital, mas nenhum realizou ainda o apagão analógico, como já aconteceu nos Estados Unidos e em alguns países europeus. México e Brasil foram os países que iniciaram a transmissão digital, e também já o fizeram Argentina, Colômbia, Peru e Uruguai, mas em outros nem sequer foram adotadas decisões com respeito ao padrão técnico que utilizarão.

A maioria dos países da região escolheu o padrão nipo-brasileiro, o ISDB-T (é o caso da Argentina, Brasil, Chile, Peru e Uruguai, além de Costa Rica, Honduras e Nicarágua); Colômbia e Panamá escolheram o europeu ou DVB-T; e o norte-americano ATSC foi adotado por México e Guatemala.

O período máximo para a implantação total da TV digital tem prazos diferentes de acordo com as condições de origem de cada país, e a prioridade que estes deram à entrada da nova tecnologia, mas vão desde os cinco até os dez anos, ou ainda mais, estimando-se que o apagão tecnológico se realizará em alguns países ao fim de 2015 ou durante 2016, enquanto que em outros países ele é previsto para datas posteriores a 2022.

Algumas decisões regulatórias chave determinam se este processo significará um impacto positivo para obter um sistema de meios mais plural, democrático e diverso ou não. Entre elas estão a inclusão de mecanismos para impedir e reduzir a concentração indevida de meios, a abertura ao acesso aos canais[1] de televisão a novos competidores comerciais e o reconhecimento e promoção dos meios comunitários e públicos.

A concentração de propriedade e o controle dos meios audiovisuais nos país da América Latina é um fato incontestável, considerado pela comunidade internacional como um fator antidemocrático que atenta contra a liberdade de expressão e informação.

Entretanto, salvo em alguns países, a análise da situação na região mostra que a digitalização dos canais de televisão aberta não está tendo como resultado uma mudança no mapa de propriedade do sistema de meios.

Em alguns casos, inclusive, a chegada da televisão digital ampliou e consolidou a concentração comercial já existente. Dá-se o paradoxo que a possibilidade de multiplexação ou multiprogramação dos canais em alguns países tenha como resultado maior quantidade de canais de televisão, mas não necessariamente mais diversidade e pluralismo, já que esta possibilidade está limitada aos mesmos operadores dominantes ou concentrados e não está disponível para a entrada de novos competidores.

A abertura do mercado de televisão aberta a novas emissoras comerciais, assim como a entrada de novas emissoras comunitárias, é uma medida imprescindível para reduzir a concentração e permitir que a população tenha acesso a uma maior diversidade de fontes de entretenimento, informação e opiniões.

A entrada de novos operadores se converte, assim, em um claro indicador do rumo dos planos de implantação desta nova tecnologia. Entretanto, nem todos os países da região parecem dar-se conta desta oportunidade e, ao se realizar o apagão analógico, o mapa da televisão digital será igual ou pior que o atual, já que em alguns casos as decisões tomadas até o momento consolidam a concentração existente, como no Brasil, em outros inclusive se amplia, como no Peru. As pressões dos operadores existentes para impedir ou limitar a entrada de novos competidores é uma das principais razões que explica esta situação. Enquanto isso, e utilizando procedimentos distintos, Argentina e Uruguai iniciaram um caminho em direção à presença de novos canais e emissoras de televisão aberta.

Para obter um cenário midiático mais democrático, as recomendações internacionais insistem na necessidade de reconhecimento e promoção aos meios comunitários e públicos, de maneira complementar ao desenvolvimento de meios comerciais ou com fins lucrativos.

A situação dos meios comunitários no ambiente digital está condicionada pela situação prévia da legislação vigente, já que há países da região onde seu direito a existir não é reconhecido ou é reconhecido somente para prestar serviços de radiodifusão sonora, mas não de televisão.

Vários países reúnem em sua regulação da televisão digital a possibilidade de as organizações sem fins de lucro e comunidades obterem frequências para fundar televisões comunitárias, como é o caso de Argentina, Chile e Uruguai. No Brasil, algumas iniciativas comunitárias terão direito ao uso de canais de televisão pública[2].

Foram inclusive definidas reservas de espectro para este setor. No Chile, a lei de TV digital estabeleceu uma reserva de 40% do espectro disponível após o apagão analógico para meios regionais, locais e locais comunitários[3], enquanto que o Uruguai dispôs que ao menos um terço das frequências para televisão digital seja reservado para meios comunitários e outros sem fins de lucro (7 canais de 20 disponíveis[4]). A Argentina decidiu incluir em seu plano técnico uma reserva de 33% para este setor em todo o país[5].

Na maioria dos países analisados deu-se muita importância à implantação digital dos canais da televisão pública, assumindo um papel de ‘locomotora’ do processo de transição, abrindo inclusive a possibilidade de entrada de novos meios públicos, tanto em nível nacional como regional e local, como é o caso da Argentina, Uruguai, México e Brasil.

As novas frequências públicas são, em geral, outorgadas por licenciamento direto, e foram inclusive os primeiros meios a transmitir sinais digitais. Como contrapartida, terão a obrigação de implantar seus serviços em todo o território nacional, para assegurar a universalização do acesso de serviços de televisão aberta a toda a população.

Em vários países as emissoras públicas pretendem aproveitar o salto tecnológico e o melhor aproveitamento do espectro radioelétrico para ampliar e diversificar as programações emitidas, ainda que os fundos estatais assignados para cumprir este papel nem sempre têm sido suficientes para os investimentos em infraestrutura que são necessários para a transmissão digital, assim como para a melhora de qualidade e a ampliação da oferta televisiva resultante.

Todas as medidas de abertura listadas não serão suficientes se não forem adotadas, ao mesmo tempo, decisões antimonopólicas específicas que, ao menos, evitem que se ampliem os monopólios e oligopólios existentes.

Os procedimentos e condições em que os atuais operadores analógicos poderão realizar a transição digital é um elemento transcendente destas medidas, assim como a possibilidade de obter novas licenças e frequências, em particular se existe uma concentração prévia no começo das transmissões digitais.

A maioria dos países outorgará automaticamente aos operadores existentes novas licenças e acesso a canais completos para seu uso exclusivo, nas mesmas condições que prestam os serviços de televisão analógica.

O Uruguai se distancia deste caminho e optou por licenciar automaticamente somente uma programação digital (um quarto de um multiplex ou canal completo) para transmitir a mesma programação analógica atual, mas os operadores deverão concorrer e firmar um novo contrato com novas condições se desejam obter um canal completo para seu uso exclusivo[6].

Em vários países se impediu que os atuais operadores possam receber novas concessões de espectro para prestar serviços de televisão, com objetivo de não ampliar a concentração existente, como é o caso do Uruguai e o caminho que adotou o México para que TV Azteca e Televisa não participem da licitação das duas novas cadeias de televisão digital – isto é o que determina a Constituição, ainda que falte a lei complementar que o confirme. O Peru, ao contrário, permitiu, e isso derivou em uma maior concentração da propriedade de emissoras em um dos principais grupos midiáticos do país[7].

 


[1] No texto original, o autor usa a palavra ‘señales’, que poderia ser traduzida por ‘programações’, uma vez que a televisão digital possibilita que um mesmo canal de 6 MHz contenha até oito programações simultâneas. Entretanto, adota-se aqui ‘canais’, como consagrado em português não apenas para a designação técnica, mas também para o conjunto de programas organizados em uma grade horária diária. Em outros trechos, a palavra ‘señal’ é traduzida como ‘programação’ ou ‘sinal’, de acordo com o contexto.

[2] http://www.mc.gov.br/acoes-e-programas/canal-da-cidadania

[3] Art. 50, Ley TV Digital de 2013

[4] Art. 2, Decreto N°153 de 2012

[5] Art. 89 f), Ley SCA N°25.522 de 2009

[6] Art. 15, Decreto N°153 de 2012

[7] Ver Informe sobre TV digital en Perú

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