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Finalmente algo de novo sob o sol!

Comentários sobre a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso RCTV

Eduardo Bretón

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A decisão do governo da República Bolivariana da Venezuela de não renovar a concessão da Radio Caracas Televisión (RCTV) foi tema de discussões bastante interessantes sobre o status da liberdade de expressão nesse país. A controvérsia chegou finalmente à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), e em 22 de junho de 2015 finalmente saiu a sentença para o caso Granier e outros (Radio Caracas Televisión) contra a Venezuela (caso RCTV). O Tribunal condenou a Venezuela por violações à liberdade de expressão e ordenou o Estado a devolver equipamentos que haviam sido confiscados, permitindo assim que a emissora volte ao ar até que seja realizado um novo processo para a concessão de licenças. Manuel Ventura Robles, (hoje) ex-juiz da Corte IDH, declarou em seu voto que estamos diante da mais importante sentença já publicada pelo Tribunal em temas relacionados a liberdade de expressão. Sou simpático à afirmação, mesmo que me venham à mente outros tantos casos que claramente impactaram o exercício deste direito fundamental em todo o continente (por exemplo, casos que tratavam de abusos às leis sobre desacato, ou de problemas de difamação criminal, ou mesmo sobre censura prévia ou violência contra jornalistas). Uma coisa com a qual concordo plenamente com Ventura Robles é que é muito claro nesta sentença “o desejo da Corte de evitar mais agressões contra a liberdade de expressão no nosso continente e de reverter a jurisprudência do caso Mémoli contra Argentina, além de deixar bastante claro para o Estado [venezuelano] o quão grave foi a violação [à liberdade de expressão]”. E também, como será resumidamente exposto nos parágrafos seguintes, a corte IDH apresenta, na decisão do caso RCTV, novidades nos padrões de interpretação do artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

Quem, como eu, teve a possibilidade de litigar frente à Corte IDH, muitas vezes se pergunta quais seriam os elementos de prova importantes para levar ao tribunal em temas relacionados a violações à liberdade de expressão. O caso RCTV nos brinda com uma dica inestimável para responder essa inquietação dos advogados; além disso, apresenta uma recomendação impecável para os funcionários públicos: cuidado, tudo o que você disser pode ser usado contra você! Quanto a isto, vale destacar que no parágrafo 61 da sentença, por exemplo, a Corte considerou que ficou provado tanto “o ‘ambiente de intimidação’ gerado pelas declarações de autoridades federais de alto escalão contra meios de comunicação independentes” como também, frente a declarações similares, que a não renovação aconteceu porque a emissora mantinha “uma postura contrária ao governo”.

Sobre este último ponto: é bastante interessante a defesa apresentada pelo Estado venezuelano durante o julgamento e a forma com a qual a Corte IDH a derrubou. De acordo com o Estado (parágrafo 187), a decisão de não renovar a concessão tinha como fundamento a “democratização do uso do meio radioelétrico e a pluralidade de mensagens e de conteúdos”. A Corte reconheceu que garantir o pluralismo é não apenas uma finalidade legítima, mas imperiosa dos Estados. No entanto, neste caso, uma vez analisadas as declarações de funcionários públicos, a Corte IDH determinou que houve uma finalidade não declarada (punir a RCTV pela linha editorial crítica ao governo) e que isso constituiu um desvio de poder por parte das autoridades, “já que usaram uma faculdade permitida ao Estado com o objetivo de alinhar editorialmente o meio de comunicação ao governo” (parágrafo 197), acrescentando que “a finalidade real era calar vozes críticas ao governo, as quais se constituem, junto ao pluralismo, à tolerância e ao espírito de abertura, como as demandas próprias de um debate democrático que, justamente, o direito à liberdade de expressão busca proteger” (parágrafo 198).

Indiscutivelmente, o interessante é que, para dar créditos aos dois extremos (o contexto do ataque ao meio de comunicação devido a sua linha editorial e a decisão de não renovação da concessão), a Corte IDH levou em conta declarações de funcionários públicos. É algo a ser considerado em casos futuros!

A sentença carrega consigo ainda outra ajuda para futuros litigantes: a afirmação da Corte IDH que “os meios de comunicação são verdadeiros instrumentos da liberdade de expressão” (parágrafo 148). Não que seja uma surpresa – mas nem por isso é algo pouco importante. Acaba sendo óbvio entender que hoje em dia os meios de comunicação são constituídos como pessoas jurídicas. Então, o problema que a Corte IDH resolve neste caso é: uma vez que, de acordo com o entendimento do tribunal, as pessoas jurídicas não poder ser “vítimas” de violação contra direitos pelo que determina a CADH, então o que dever ser estabelecido é “se uma ação do Estado que afetou o meio de comunicação como pessoa jurídica também teve, por analogia, um impacto negativo, certeiro e substantivo sobre a liberdade de expressão de pessoas físicas”. Para isso, é primordial “analisar o papel das possíveis vítimas dentro do respectivo meio de comunicação e, particularmente, a forma em que contribuíam com a missão comunicacional do canal” (parágrafo 149). Na decisão da Corte, foram determinadas violações a pessoas vinculadas à pessoa jurídica RCTV.

Uma novidade na jurisprudência da Corte IDH (mesmo que a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA já a tenha adiantado há alguns anos) diz respeito aos padrões de radiodifusão que devem ser levados em conta com a finalidade de que a liberdade de expressão garantida pela CADH seja cumprida. Nesta sentença, a Corte IDH, pela primeira vez, faz referência a este tema de forma ampla.

O tribunal (parágrafo 165) reconhece “a autoridade e a necessidade que os Estados têm de regular a atividade de radiodifusão (…) sempre e quando sejam respeitadas as questões impostas pelo direito à liberdade de expressão (…)”. Inclui-se nesta atividade dos Estados o tema principal deste caso: a definição de como são outorgadas as concessões ou renovações de licenças para explorar o espaço radioelétrico.

Para isso, e uma vez que – como a Corte reconhece – o espectro é um bem escasso, a distribuição deve ser feita de forma que seja assegurado que existam meios que representem “(…) uma diversidade de visões ou posturas informativas ou de opinião” (parágrafo 170). A corte encerra o parágrafo afirmando que “o pluralismo de ideias na mídia não pode ser medido a partir da quantidade de meios de comunicação, mas que as ideias e a informação transmitidas sejam efetivamente diversas e sejam abordadas a partir de posturas divergentes, sem que exista apenas uma única visão ou postura”. Isso deve ser levado em conta nos processos de outorga e de renovação das concessões de licenças de radiodifusão. Neste sentido, o tribunal considerou que os limites ou restrições que surjam a partir do marco jurídico relacionado à radiodifusão devem levar em conta a garantia do pluralismo dos meios de comunicação, dada sua importância para o funcionamento de uma sociedade democrática.

Em outras palavras: para a Corte IDH, a garantia do pluralismo é peça-chave não apenas na análise das regulações sobre concessões, mas também sobre renovações de concessões outorgadas anteriormente. Com relação a este último tema, a sentença destaca (parágrafo 179) que não existe no direito internacional uma obrigatoriedade de renovação de concessões de radiodifusão. Por outro lado, a partir desta sentença fica claro qual será o entendimento da Corte IDH nos processos de concessões, para que sejam compatíveis com a CADH: “Todos esses processos deverão ser conduzidos sem que existam critérios discriminatórios que busquem limitar a outorga de concessões, e deverão ser encaminhados para o fortalecimento do pluralismo informativo e para o respeito a garantias judiciais” (parágrafo 394). No caso RCTV, a Corte entendeu que o Estado venezuelano tinha infringido o artigo 13 da Convenção, exatamente porque a decisão de não renovação era fruto de um abuso de poder.

Para finalizar: comecei este artigo mencionando o voto de Ventura Robles e o acabarei com uma reflexão gerada por suas declarações sobre este caso. Seu voto é dissidente, mesmo que – vale a pena esclarecer – seja importante entender porque, mesmo que se considere que a liberdade de expressão foi violada pelo Estado venezuelano, seja lamentável que a Corte IDH não tenha encontrado violações a outros direitos, entre eles a garantia de independência e imparcialidade do Poder Judiciário, o que explicaria a violação ao direito de propriedade. Há 30 anos, quando Ventura Robles era Secretário Adjunto da Corte IDH, o tribunal se pronunciava por meio da Opinião Consultiva Nº5, com a qual nos ensinava que a liberdade de expressão é o alicerce da democracia. Sendo assim, deve ser exercida por todos e, além disso, defendida frente a qualquer mínima tentativa de depreciação. Porém, para esta defesa, precisamos da divisão de poderes e, principalmente, de juízes e juízas independentes. A defesa da liberdade de expressão necessita deles e delas.

Textos relacionados:

Venezuela. Entrevista: Decisão sobre a RCTV garante que a liberdade de expressão será protegida na região, afirma Catalina Botero (artigo em espanhol)

Corte IDH divulga sentença sobre o Caso RCTV: Estado venezuelano tem que devolver a concessão (documento) [artigo em espanhol]

*(@ebertoni). Doutor em Direito pela Universidade de Buenos Aires. Professor das faculdades de Direito da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de Nova York. Diretor do Centro de Estudos sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (CELE) da Universidade de Palermo, na Argentina. Ex-Relator Especial para a Liberdade de Expressão da OEA.

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