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Análisis - Chile

Fundo de produção comunitária do CNTV: elementos para uma análise crítica

“Os três principais riscos desta política pública se referem à definição de produtora comunitária, à definição de produção comunitária e à via de transmissão dos conteúdos financiados.”

* Chiara Saez Baeza/ junio de 2015

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Em 1º de junho de 2015, o Conselho Nacional de Televisão (CNTV) do Chile publicou em sua página web o edital para um concurso público que dará acesso a recursos do Fundo de Produção Comunitária em 2015. Com um total de $264 milhões de pesos chilenos (cerca de US$425 mil), o fundo vai financiar até $30 milhões de pesos chilenos (cerca de US$47 mil) por projeto. Isso significa que poderão ser custeados pelo menos 10 projetos. Sem sombra de dúvidas, é um acontecimento sem precedentes na história do organismo regulador.

No entanto, as regras deixam no ar várias dúvidas sobre o alcance desta medida. A principal é que ela não apresenta uma solução para a maior carência das emissoras de televisão comunitárias: o acesso a uma frequência própria no ambiente da TV digital. Assim como foi proposta, esta política de fomento pode acabar prejudicando ainda mais a televisão comunitária, cuja definição na lei de TV digital como “local de caráter comunitário” a priori delimita sua cobertura. Isso viola as definições usadas no debate internacional e que enfatizam aspectos mais substantivos da comunicação comunitária, como a participação da comunidade de referência tanto “na propriedade do meio de comunicação, como na programação, na administração, na operação, no financiamento e na avaliação” do mesmo (AMARC, 2009).

Os três principais riscos desta política pública se referem à definição de produtora comunitária, à definição de produção comunitária e à via de transmissão dos conteúdos financiados. No primeiro caso, se afirma redundantemente que uma produtora comunitária “é a pessoa jurídica que produz conteúdos de interesse comunitário”. Em seguida, o mais próximo a uma definição de “produção comunitária” está no artigo VII do edital, que apresenta as características dos projetos. Essa definição seria: “abordar temas de interesse comunitário, que signifiquem um acréscimo e um incentivo ao conhecimento, apreço e fortalecimento da comunidade e de seu patrimônio cultural e natural”. A definição continua sendo genérica.

Para especificar, indicam que serão especialmente valorizados “a) conteúdos que ajudem a aumentar o nível de informação, educação e formação do público e/ou sua melhor compreensão do mundo natural ou social; b) propostas de programas de qualidade, que usem propriamente a linguagem televisiva em suas imagens; c) projetos que promovam a tolerância, a diversidade e as distintas etnias, credos e gêneros”. Porém, estes atributos podem ser considerados critérios de valoração específica da comunicação comunitária? De certa forma, são critérios gerais de qualidade, aplicáveis a qualquer tipo de conteúdo audiovisual (nacional, local, regional ou comunitário). No entanto, se anteriormente foi mencionado que nas definições internacionais a participação da comunidade na criação de conteúdos é um elemento substancial na definição da comunicação comunitária, este aspecto está completamente fora dos critérios a serem considerados por esta política. A superação da distinção entre emissor e audiência é um atributo estruturante quando se fala de conteúdos audiovisuais comunitários. O papel de uma produtora comunitária não é “retratar” uma comunidade (seja ela geográfica, etnolinguística, de interesses similares) ou entregar à comunidade “conteúdos de seu interesse”, mas dinamizá-la, para que ela possa retratar a si mesma, e com sua própria linguagem. É uma pena que o CNTV não compreenda o quão específica é a comunicação comunitária, ou que não lhes pareça necessário ter tratado deste ponto com uma maior profundidade antes de divulgar o edital.

Ao anteriormente mencionado, soma-se uma pergunta fundamental: onde serão transmitidos estes conteúdos de TV comunitária, se no Chile não há, atualmente, nenhum canal comunitário de TV aberta? De acordo com a lei de TV digital, apenas daqui a cinco anos novas frequências serão oferecidas por licitação, quando acabe o prazo da transmissão simultânea analógica-digital (simulcasting). Todas as concessões de TV comunitária serão novas, porque hoje em dia nenhuma tem frequência assignada. Sobre esse tema, as regras do edital determinam que a produtora beneficiada deve “comprometer-se a transmitir o respectivo programa por um serviço de televisão”. Isto não exclui a possibilidade de transmitir em algum canal local de TV a cabo, assim como de TV aberta nacional, local ou regional.

Quer dizer, serão financiadas produtoras comunitárias (definidas de forma tautológica), que vão gerar conteúdos comunitários (definidos por critérios de qualidade não específicos) e que não vão poder ser transmitidos por canais comunitários de TV aberta (uma vez que os canais comunitários existentes na TV aberta – aproximadamente uns 15 em todo o país – estão em condição de a-legalidade, uma vez que não contam com as licenças necessárias). É possível considerar que esta política beneficie a TV comunitária como um setor específico do ambiente de mídia, ou de certa forma gera uma propensão à dissolução e falta de especificidade desse setor?

Se analisamos a política pública que está sendo realizada pelo CNTV, em conjunto à não-política que até agora tem demonstrado a Subsecretaria de Telecomunicações (Subtel) do Ministério de Transportes e Telecomunicações do Chile em relação à TV comunitária, parece factível preferir a segunda opção. A lei de TV digital diz que o CNTV só pode financiar a produção de conteúdos comunitários e o “transporte” deles. Porém, não o autoriza a apoiar financeiramente seu processo de acesso a frequências. Para isso, um outro artigo da lei determina que a Subtel pode financiar canais comunitários que prestem ao mesmo tempo serviços de TV e de internet, algo que nem mesmo os funcionários do Fundo de Desenvolvimento das Telecomunicações entendem de que se trata. A demanda por suporte econômico para o acesso a frequências feita pelo setor das emissoras de TV comunitárias ultrapassou os seis anos de discussão da lei. No entanto, o que se deduz do “espírito da lei” e o que foi implementado até agora é que, na verdade, se espera que os canais comunitários se convertam em concessionários com meios de comunicação de terceiros. Ou seja: tornem-se produtores audiovisuais sem acesso a frequências, com produtos que podem ser transmitidos pelas frequências de outros, em troca do pagamento de uma taxa, ou por meio de algum tipo de acordo.

Seria necessário que junto à política de financiamento de conteúdos por parte do CNTV, houvesse ao mesmo tempo um apoio ao acesso a frequências pela Subtel. Um exemplo seria desenvolver um plano de outorga e monitoramento de concessões experimentais comunitárias dentro dos próximos cinco anos, que é quando se poderá solicitar frequências locais de caráter comunitário. Canais locais e regionais já tiveram acesso a este tipo de benefícios. É importante garantir a fortaleza do setor comunitário em sua especificidade. Isto implica gerar condições para que possam ter acesso a frequências, o que, por sua parte, terá outros resultados positivos (como a contribuição à distribuição equitativa do espectro radioelétrico e à des-concentração da propriedade dos meios de comunicação).

* Socióloga, doutora em Comunicação com um pós-doutorado em Governo e Políticas Públicas, e professora-assistente do Instituto da Comunicação e Imagem (ICEI) na Universidade do Chile.

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