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Marco jurídico e política pública desenvolvida para a Radiodifusão Comunitária no Uruguai entre 2010 e 2014

“Como conquistas, podemos destacar que o reconhecimento do Estado à radiodifusão comunitária permitiu que o país avançasse nos campos da liberdade de expressão e de informação, estimulando a desconcentração do sistema de meios de comunicação e estruturando como princípio regulatório a aposta no pluralismo e na diversidade”.

Martin Prats*/ Agosto de 2015

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A Lei 18.232 sobre Radiodifusão Comunitária (LRC) de dezembro de 2007 significou o reconhecimento legal do setor comunitário da radiodifusão e sua valorização como uma forma de manifestação do direito humano à liberdade de expressão.

Mediante duas resoluções[1], e dentro do marco do Censo da Radiodifusão Comunitária disposto pela Lei, em 2008 o Poder Executivo do Uruguai regularizou a situação de emissoras sem fins lucrativos de associações civis e de grupos de pessoas que utilizavam frequências FM em várias partes do país.

A Lei 17.930 do Orçamento de 2005 criou a Diretoria Nacional de Telecomunicações (DINATEL) dentro do Ministério da Indústria do Uruguai (MIEM). A DINATEL sucedeu a Diretoria Nacional de Comunicações que, pela Lei 15.671, se encontrava sob a competência do Ministério da Defesa Nacional. Porém, foi apenas com a Lei 18.719 do Orçamento de 2010 que a DINATEL teve suas competências definidas e foi dotada com mais recursos próprios para levar a cabo suas incumbências. Nesta análise, destacamos o art. 418, que deu diversas competências à Diretoria, entre as quais as mais interessantes para este artigo são: a concepção de políticas e o planejamento da gestão do espectro radioelétrico, e a assessoria ao Poder Executivo quanto às políticas e aos critérios para a outorga de licenças e de autorizações na área da comunicação audiovisual.

Em 30 de dezembro de 2010, o Poder Executivo, por meio do Decreto 417/2010, regulamentou a LRC, instituindo um marco jurídico mais preciso, que permitiu tanto que o Estado quanto os serviços de radiodifusão comunitária se adequassem de melhor forma aos requisitos legais, além de facilitar sua implementação.

Este marco jurídico estimulou que houvesse um maior compromisso quanto à promoção do setor comunitário e, além de regularizar em todo o país as rádios comunitárias existentes, também impulsou a construção de um plano nacional de utilização do espectro que reservasse espaços para a radiodifusão comunitária.

Vale a pena destacar algumas conquistas importantes quanto ao que foi mencionado:

Entre os anos de 2010 e 2014, o Poder Executivo, em muitos estados uruguaios (chamados “departamentos”), começou a apresentar editais para a outorga de frequências comunitárias. Foram apresentados editais para o uso exclusivo de frequências por dez anos, em 39 localidades de todo o país. Por outro lado, a partir de 2011 dezenas de frequências foram concedidas ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) para que fossem usadas sob o regime legal de frequências compartilhadas.

No final de 2014, o Poder Executivo decretou a reserva de canais FM para o serviço de radiodifusão comunitária em todo o país[2] – menos nos departamentos de Montevidéu, Flores e Durazno –cumprindo o que havia sido disposto pelo artigo 5º da Lei 18.232.

Quanto à questão do apoio econômico e técnico, em 2010 a DINATEL compôs uma Mesa de Assessoramento para os serviços de radiodifusão comunitária e para outros atores vinculados ao setor. Também houve capacitações nas áreas técnica e comunicacional, assim como ciclos de mesas-redondas sobre os requisitos formais para a apresentação de propostas e sobre os trâmites que as emissoras autorizadas devem cumprir dentro do processo de implementação das auditorias previstas pela LRC.

Em 2013, foi apresentado um edital para receber contribuições à atualização e melhoria técnica do equipamento de transmissão e produção. O total destinado foi de 119.805 Pesos Uruguaios (pouco menos de R$15 mil). Quatro propostas foram selecionadas.

Durante o ano de 2014, o aporte econômico aumentou e foi diversificado em vários editais, para:

  1. Projetos relacionados à necessidade de fortalecer a identidade nacional no país e de apoiar o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento social nesta área de serviço. O montante foi de 750 mil Pesos Uruguaios (mais de R$90 mil), com 250 mil Pesos Uruguaios como teto para cada projeto.
  2. Projetos de produtos comunicacionais de áudio de caráter comunitário, com duração total entre 20 e 120 minutos. O montante destinado para todo este edital foi de 250 mil Pesos Uruguaios (cerca de R$30 mil).
  3. Projetos para serviços de radiodifusão comunitária exclusivamente no interior do país, para a atualização e melhoria tecnológica de equipamentos de transmissão e produção, com o objetivo de melhorar a capacidade técnica local. O montante total destinado foi de 385 mil Pesos Uruguaios (cerca de R$47 mil), com 38,5 mil Pesos Uruguaios como teto para cada projeto.

Em 2013, com a aprovação da regulação geral da TV digital[3], o setor comunitário foi reconhecido como beneficiário da concessão de frequências. Foi determinada uma reserva de espectro, de acordo com o disposto na LRC. O Ministério da Indústria divulgou um edital para os interessados em oferecer o serviço de radiodifusão de TV digital terrestre comunitária em Montevidéu, em conjunto com outro edital para TV digital comercial.

No entanto, a política pública para a implementação da LRC enfrentou alguns obstáculos:

  1. O contexto geral de crise ou de transição dos meios de comunicação em geral, a precariedade de recursos econômicos e/ou a falta de capacitação resultaram em que muitos dos editais apresentados tenham sido revogados por ausência de interessados ou por não poderem cumprir com os requisitos estabelecidos pela LRC.
  2. Muitas das rádios autorizadas tampouco conseguiram consolidar propostas interessantes ou de qualidade que pudessem competir com o setor comercial.
  3. As autorizações ficaram limitadas à concessão de frequências FM; foram outorgadas potências limitadas que alcançavam apenas coberturas geográficas próximas (30 w). Não houve edital para frequências AM. Logo depois das autorizações que foram resultado do Censo de 2008, não houve editais para frequências na área metropolitana (em particular, em Montevidéu e Canelones) e, nos editais divulgados, apenas algumas localidades foram selecionadas, e em cada uma, apenas uma proposta será escolhida.
  4. Não foi cumprido o plano que previa a realização de concursos abertos e públicos que, a princípio, deveriam ser organizados pelo menos duas vezes por ano. Tampouco foram abertos concursos a partir de solicitações de entidades interessadas.
  5. Também não houve outra explicação – além da saturação do espectro em Montevidéu – para o porquê, quando as frequências FM foram liberadas, não houve reserva para a radiodifusão comunitária.

Como conquistas, pode ser destacado que o reconhecimento do Estado à radiodifusão comunitária permitiu que o país avançasse nos campos da liberdade de expressão e de informação, estimulando a desconcentração do sistema de meios de comunicação e estruturando como princípio regulatório a aposta no pluralismo e na diversidade.

O contexto de um novo marco jurídico regulatório que surge a partir da Lei 19.307, sobre Serviços de Comunicação Audiovisual, que é do final de 2014, seguramente poderá fortalecer este processo.

* Advogado. Presidente do Conselho Honorário de Assessoria sobre Radiodifusão Comunitária desde 2008.

Links relacionados:

Argentina – Regularizar o setor sem fins lucrativos: uma dívida ainda pendente depois de mais de cinco anos da sanção da Lei Audiovisual (texto disponível em português)

Chile – Fundo de produção comunitária do CNTV: elementos para uma análise crítica (texto disponível em português)

 

 

 

 

 

 

 

[1] Resoluções 885 e 888 de 24 de outubro de 2008.

[2] Resolução 574 de 20 de outubro de 2014.

[3] Decreto 153 de 11 de maio de 2012.

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