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CONTROVERSA LEI DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL É FINALMENTE APROVADA NO URUGUAI

«Finalmente, após um longo processo de discussão pelo Senado e pela Câmara de Representantes do Uruguai que culminou na aprovação do texto pelo Parlamento em 30 de dezembro de 2014, o Poder Executivo do país promulga a Lei 19.307, que trata de Serviços de Comunicação Audiovisual«.

François Joss*/Uruguai, 2015.

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A Lei 19.307 modificou substancialmente o mapa da regulação dos serviços de comunicação audiovisual no Uruguai ao estabelecer, pela primeira vez, um marco normativo coerente, que explicita e protege os direitos dos cidadãos, estabelece mecanismos e limites temporais e de propriedade para a concessão de licenças de serviços de comunicação audiovisual, que gera mecanismos de competitividade entre os diferentes operadores dos serviços, que incentiva a promoção da produção nacional por meio de cotas, taxas e preços, que gera um sistema de serviços públicos de comunicação audiovisual com maior autonomia, e que estabelece um modelo institucional específico, com a criação do Conselho de Comunicação Audiovisual e da figura do defensor das audiências, ambos instituídos com um nível relevante de autonomia do Poder Executivo.

Originalmente, processo de discussão teve início em outubro de 2010, quando o Executivo, por meio da Direção Nacional de Telecomunicações (DINATEL-MIEM), convocou um Conselho Técnico Consultivo (CTC) formado por vários representantes da sociedade civil, para discutir e propor recomendações com vistas à construção de um texto de lei que contemplasse os elementos mínimos a ser regulados no sistema de serviços de comunicação audiovisual.

Fizeram parte do Comitê desde associações de defesa da infância e da juventude, de defesa da liberdade de expressão, acadêmicos, sindicatos de técnicos e jornalistas, até membros de várias agremiações empresariais. A discussão abrangeu de forma bastante ampla os temas relacionados à regulação dos serviços de comunicação audiovisual. O documento final (2) elaborado pelo CTC, entregue em 10 de dezembro de 2010 ao ministro da Indústria, Roberto Kreimerman, serviu de base para o que posteriormente seria o Projeto de Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (SCA) enviado pelo Executivo ao Parlamento.

Ainda que algumas divergências importantes entre alguns atores da sociedade civil pudessem ser observadas no documento de 2010, no geral – e com essas exceções – a proposta final foi aprovada por consenso. Os membros das agremiações empresariais divergiam dos outros integrantes do Comitê em três temas: a concessão e a duração das licenças, as taxas e os preços que seriam impostos aos usuários de serviços de comunicação audiovisual, e a obrigação de transmitir conteúdos de produção nacional. Em nenhum momento os representantes dos empresários se opuseram às normas propostas e sugeridas no documento final no que tange a liberdade de expressão, concentração, direitos civis da infância, da diversidade e de várias minorias, nem quanto à proposta de concepção de um novo modelo institucional.

É importante conhecer este processo, porque processos e procedimentos às vezes são decisivos para os resultados finais das leis, especialmente quando estas delimitam e restringem o poder dos mais importantes meios de comunicação.

Como se pode ver, desde a entrega do documento pela CTC ao Poder Executivo até a promulgação da Lei, passaram quatro anos.

Por isso, é importante ter em mente que este processo de discussão dentro do Poder Executivo, quando os trabalhos do CTC já tinham sido extintos, acabou coincidindo com outro processo de democratização dos serviços de comunicação audiovisual juridicamente independente do processo de discussão da Lei, que foi a concessão de licenças para operar frequências de Televisão Digital Terrestre (TDT). Esta coincidência, que trazia à roda de discussões os grandes poderes mediáticos e fáticos diretamente relacionados ao tema, acabou claramente dificultando a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual.

O Decreto 153 de maio de 2012 (3), que estabeleceu as condições para organizar a licitação para a concessão de frequências de TDT; o Decreto 437 de dezembro de 2012 (4), que definiu o edital com as condições para a licitação das frequências de TDT – mas que ao mesmo tempo flexibilizou e diminuiu os requisitos que os grupos de comunicação deveriam atender para participar dessa concorrência; e finalmente o Decreto 028 de janeiro de 2013 (5), que suspendeu provisoriamente a convocação à licitação para outorgar essas licenças formam um exemplo claro das idas e vindas do Poder Executivo, além de refletir a complexidade dos processos de negociação do  Executivo com os grupos de comunicação e também da discussão e das contradições no centro da força política que governa e decide o destino da regulação de um setor tão importante.

Por fim, a suspensão provisória do chamado à licitação de frequências para TDT foi revogada por meio do Decreto 145 de 9 de maio de 2013 (6), e menos de duas semanas depois, em 21 de maio, o Poder Executivo enviou o Projeto de Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual ao Parlamento. Terminava assim a primeira parte das negociações com os grupos de comunicação mais importantes. O governo finalmente conseguia estabelecer as regras definitivas para que os interessados se apresentassem à licitação para a obtenção das novas frequências, ao mesmo tempo em que dava um importante passo para a aprovação da Lei.

No processo de discussões transcorrido desde que o primeiro rascunho do Projeto de Lei do Executivo foi enviado até a entrega do projeto final ao Parlamento, foram registradas várias modificações, como resultado de negociações ou pontos de discordância. A perda mais importante foi a redução do âmbito de competência da Lei: o Art. 1º especifica “que não serão objeto de regulação da presente Lei os serviços de comunicação que utilizem como plataforma protocolos de rede de internet”, o que gerou um anacronismo importante, além de um tratamento desigual a operadores que utilizam plataformas diferentes à de internet. Por exemplo: a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Espanha, de 2010, inclui em sua definição de serviço de comunicação audiovisual qualquer suporte eletrônico (7). Outro exemplo é a Diretriz 2007/65 da União Europeia (8) que atualiza outras diretrizes relacionadas e integra à definição de serviços de comunicação audiovisual também aqueles que funcionam por demanda (como por exemplo os diferentes serviços de TV por internet por assinatura, como é o caso da Netflix).

Também durante o processo, e com relação ao documento final aprovado pelo CTC, o Projeto enviado pelo Executivo ao Parlamento diminuiu o poder de decisão e de autonomia – desta vez em relação às decisões essencialmente mais importantes para um conselho de assessoria – do Conselho de Comunicação Audiovisual e dos serviços públicos de comunicação audiovisual relativos ao Poder Executivo. Também foram registradas algumas modificações que favoreceram os grupos privados de comunicação.

Entre o momento em que o Executivo enviou o Projeto de Lei ao Parlamento e a efetiva promulgação da Lei, passaram mais de 18 meses. Tanto na Comissão da Indústria da Câmara de Representantes como no Senado, a sociedade civil teve uma participação de destaque nas discussões.

O processo alçou o projeto a uma posição de destaque na agenda política, e com isso o PL foi atacado por representantes de diferentes áreas. Desde críticas que, a partir de uma perspectiva liberal, talvez possam ser consideradas mais fundadas, como aquelas feitas pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) (9), até aquelas que além de ideologizadas eram mal informadas, como a da Associação Nacional de Broadcasters Uruguaios (ANDEBU), que acusavam o governo federal de aprovar uma Lei com características autoritárias (“fascistas, mussolinistas e stalinistas”, diziam) (10).

Porém, e talvez como uma boa síntese, Edison Lanza, relator para a liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), afirmou em uma entrevista a um jornal local, poucos dias antes da Lei ser aprovada, que o Projeto de Lei de SCA cumpre com todos e com cada um dos padrões de liberdade de expressão construídos pelo Direito Internacional em matéria de Direitos Humanos.

De acordo com Lanza, o caso uruguaio é visto internacionalmente como um modelo equilibrado, que confere transparência ao sistema de meios de comunicação, fixa regras equitativas e claras para entrar no setor, promove a produção nacional, respeita os direitos adquiridos – mas permite também o ingresso de novos atores, e que promove os direitos de diversos grupos discriminados, sem interferir nos conteúdos informativos.

Como um exemplo, e de acordo com a opinião do relator, o modelo do Conselho de Comunicação Audiovisual concede à instituição garantias de independência e autonomia do governo, uma vez que o organismo seria integrado por cinco membros, um deles designado pelo Executivo, e os quatro restantes seriam nomeados pela Assembleia Geral a partir da maioria qualificada dos votos. Além disso, a Lei prevê que em caso de disputa vinculada à regulação de conteúdos – que se limita à proibição à discriminação, a uma definição dos tipos de programação que não podem ser transmitidos nos horários de proteção à infância, e a uma regulação muito genérica quanto à publicidade infantil – esta deverá ser resolvida diretamente na Justiça. Para isso, deverão ser criados juizados especializados.

* François Joss é jornalista freelancer.

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