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Iniciativa de lei de telecomunicações de Peña Nieto viola a constituição

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April, 2014

Contrarreforma é a qualificação que começa a ser mais recorrente no México ao pacote de iniciativas de leis complementares que o Presidente Enrique Peña Nieto apresentou ao Congresso no último 24 de março, com quatro meses de atraso. Junto com a Lei de Telecomunicações e Radiodifusão, também entregou as modificações de oito corpos legais[1].

Seu conteúdo desatou uma intensa polêmica em aspectos fundamentais que vão contra vários artigos da reforma constitucional sobre a matéria (doravante ‘a reforma’) aprovada em junho de 2013, assim como padrões internacionais de liberdade de expressão e direito à informação. Mesmo centrada em aspectos econômicos, não regula suficientemente a concorrência, a concentração midiática em radiodifusão e televisão paga; estabelece demasiadas atribuições a instituições do Executivo Federal para controlar o sistema de meios que minimizam as atribuições e alcances do órgão regulador autônomo (o Instituto Federal de Telecomunicações, IFT); é limitada para garantir o pluralismo, os direitos do público na radiodifusão, dos usuários em telecomunicações, do acesso universal à banda larga e violenta direitos de privacidade que poderiam dar lugar a sérias violações de direitos humanos.

Uma das mudanças substanciais da reforma foi definir as telecomunicações e a radiodifusão como serviços públicos de interesse geral. Esse é o fundamento jurídico que deveria permear as leis complementares, e é a omissão mais forte da iniciativa presidencial, não somente porque não há definição alguma, mas também porque a lógicao dos 312 artigos que abarca não contam com esse princípio diretor.

Os direitos e princípios vulnerados

1. Afeta a liberdade de expressão e de informação na Internet ao permitir a censura governamental e por parte de concessionários, limita a neutralidade da rede, possibilita às autoridades ordenar o bloqueio de serviços de telecomunicações em áreas determinadas com supostos tão vagos como “lugares críticos para a segurança pública”. Vulnera a privacidade ao ampliar as atribuições de intervenção de comunicações, de geolocalização em tempo real sem controle (artigos 192 a 194), além de obrigar empresas de telefonia a conservar dados pessoais dos usuários em um registro de comunicações, de maneira indefinida, e permitir o acesso aos mesmos sem autorização judicial nem outras salvaguardas, não somente às autoridades procuradoras de justiça, como também a instâncias como o Centro de Investigação e Segurança Nacional que se encarrega da inteligência política.

Estas disposições poderiam ir contra a proibição de censura prévia estabelecida no artigo 7º da Constituição e converterem-se em limitações ilegítimas ao artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos por serem medidas de restrição desproporcional e desnecessária para a consecução de seus fins. No mesmo sentido, a Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet dos Relatores de Liberdade de Expressão é clara ao determinar que: “A interrupção do acesso à Internet, ou a parte dela, aplicada a populações inteiras ou a determinados segmentos do público (cancelamento da Internet) não pode estar justificada em nenhum caso, nem sequer por razões de ordem pública ou segurança nacional”.

Sobre a intervenção em chamadas telefônicas, a Suprema Corte de Justiça da Nação e a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinaram que os dados de uma comunicação devem ser protegidos pelo direito à inviolabilidade das comunicações privadas, pelo que a interceptação, armazenamento, tratamento e acesso deve contar com autorização e controles judiciais, como assinalam os Princípios Internacionais sobre a Aplicação dos Direitos Humanos à Vigilância das Comunicações.

2. Vulnera a autonomia e as atribuições do IFT, que é confinado ao âmbito de regulação meramente técnico e lhe é imposto coordenar-se para sua atuação com várias instituições que estão ao mando do Executivo Federal, em especial à Secretaria de Comunicações e Transportes. Além disso, é muito sensível excluir a atribuição constitucional de regular conteúdos do IFT para que seja a Secretaria de Governo (Ministério do Interior) quem vigie os conteúdos audiovisuais. Isto dilui o grande avanço que significou a autonomia do regulador, que supunha um modelo inovador na América Latina e cumprindo o mais alto padrão internacional do Sistema Interamericano que estabelece: “[…] Em particular, é fundamental que os órgãos de regulação ou fiscalização dos meios de comunicação sejam independentes do Poder Executivo, se submetam completamente ao devido processo e tenham um estrito controle judicial”[2].

3. Estabelece critérios discriminatórios aos meios de uso social, comunitários e indígenas ao impedir que tenham diversidade de opções de financiamento, incluindo a possibilidade de ter espaços comerciais e apoios estatais, e lhes deixa em uma grande insegurança jurídica ao manter critérios altamente discricionários e desiguais para acessar às frequências, alguns tão extremos como obter a opinião favorável da Comissão Nacional de Investimentos Estrangeiros. Além disso, lhes solicitam os mesmos requisitos que aos meios de uso público, como se tivessem as mesmas condições e capacidades. O trato igual entre desiguais violenta um princípio jurídico de igualdade perante a lei. As disposições contradizem os padrões mínimos do sistema interamericano tanto no acesso às frequências[3] como nas condições para seu desenvolvimento, tal como estabelece a Declaração Internacional sobre Diversidade na Radiodifusão[4]: “A radiodifusão comunitária deve estar expressamente reconhecida na lei como uma forma diferenciada de meios de comunicação, deve beneficiar-se de procedimentos equitativos e simples para obtenção de licenças, não deve ter que cumprir com requisitos tecnológicos ou de outra índole que sejam severos para a obtenção de licenças, deve beneficiar-se de tarifas de concessionária de licença e deve ter acesso à publicidade”.

4. Deixa sob controle da Secretaria de Governo o novo organismo nacional de radiodifusão pública, em oposição à Constituição que lhe outorga autonomia de gestão e operativa. Em uma redação confusa não fica claro se este sistema será somente quem opere uma cadeia de televisão e outra de rádio de alcance nacional ou controlará todos os sistemas de radiodifusão pública existentes no país, além disso ignora o mandato de assegurar-lhes sua independência editorial e lhes limita as fontes de financiamento obrigando a sua dependência ao orçamento governamental. A regulação imposta a este setor vai em sentido contrário ao estabelecido na Declaração Internacional sobre Diversidade na Radiodifusão para garantir medidas especiais para seu fortalecimento[5].

5. Os limites à concentração, a propriedade cruzada, a regulação assimétrica, o desinvestimento para a cisão de monopólios, os critérios de preponderância e poder de mercado significativo, especialmente na radiodifusão, não limitam o controle das atuais emissoras de televisão, ao contrário, afirmam-lhes condições para sua posição dominante, o que contrasta com as medidas em telecomunicações que são específicas e claras. Chama atenção a determinação de só declarar um agente preponderantes por cada setor, pelo que se evade a possibilidade de que a Televisa seja preponderante em televisão paga, quando controla cerca de 70% no satélite e mais de 60% no cabo, segmento que representa seu maior crescimento. Esta disposição contraria a reforma que determina a aplicação de preponderância em todos os segmentos.

6. Carece de regulação eficaz para a proteção à infância, a publicidade enganosa, para o fortalecimento da produção independente e, em geral, os direitos das audiências e os usuários fazendo limitado seu exercício na prática. Neste ponto há que se ressaltar que no pacote de iniciativas o Presidente não enviou a lei regulamentar do direito de resposta, um dos direitos básicos de liberdade de expressão que a Constituição estabelece e é reconhecido pelo artigo 14 da CADH.

O partido governante com os votos de sua bancada na Câmara de Senadores e do grupo de legisladores do Partido Verde Ecologista de México conhecidos como a “telebancada” por seus fortes vínculos com as emissoras comerciais, têm quase a maioria simples necessária para sua sanção. Os poucos votos que lhes faltariam (sete) podem facilmente sair de alguns dos partidos de oposição que vivem nestes momentos lutas intestinais pela renovação de seus dirigentes.

No entanto, frente ao acúmulo de violações à Constituição, aprovar o texto nestes termos poderia repetir a história de uma ação de inconstitucionalidade como aconteceu em 2006 com a chamada Lei Televisa.

Aleida Calleja. Especialista em meios de comunicação e marcos normativos, ex-Presidenta da Associação Mexicana de Direito à Informação e Coordenadora de Advocacy do OBSERVACOM

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[1] Lei de Investimento Estrangeiro, Lei Federal de Direitos Autorais, Lei Federal de Responsabilidades Administrativas dos Servidores Públicos, Lei de Amparo, Lei do Sistema de Informação Estatística e Geográfica, Código Penal Federal, Lei Federal de Transparência e Acesso à informação pública governamental e Lei de Entidades Paraestatais
[2] CIDH, Informe Anual 2008, Volume III: Informe Anual da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Capítulo IV, parágrafo 82
[3] CIDH, Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Princípio nº 12, outubro de 2000. “As outorgas de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades para todos os indivíduos no acesso às mesmas”.
[4] Relatores de Liberdade de Expressão ONU, OEA, OSCE e CADHP, Declaração Internaciol sobre Diversidade na Radiodifusão. 12 de dezembro de 2007.
[5] “Requerem-se medidas especiais para proteger e preservar os meios públicos no novo espaço radioelétrico. O mandato dos meios públicos deve estar claramente estabelecido por lei e deve incluir, entre outros, a contribuição à diversidade, a qual deve ir além de oferecer diferentes tipos de programação, dar voz e satisfazer as necessidades de informação e interesses de todos os setores da sociedade. Devem-se explorar mecanismos inovadores para o financiamento dos meios públicos, de forma tal que este seja suficiente para permitir-lhes cumprir com seu mandato de serviço público, que seja garantido por antecipação para períodos de vários anos e que seja ajustado de acordo com a inflação”.
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