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TV Digital no México: o que não se deve fazer

O caso mexicano da TV aberta e sua transição à TV digital deve ser analisado para que os demais países evitem incorrer nos mesmos erros e atrasos em prejuízo do interesse geral. Vejamos o porquê.

Clara Luz Álvarez*/ México/ junho 2014.

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Onde estamos

A televisão aberta comercial está dominada por 2 grupos corporativos: Televisa e TV Azteca. Estes grupos têm 94% das concessões de televisão aberta com fins comerciais na República Mexicana. Assim mesmo, Televisa e TV Azteca são donas conjuntamente de uma empresa de telefonia móvel, Iusacelli.

Em 2004 o governo mexicano junto com representantes das televisões comerciais e sem a participação dos cidadãos, elaborou, à portas fechadas, a política de transição para TV digital terrestre, onde se estabeleceu a outorga de canais espelho para a transmissão do sinal digital, um calendário indicativo para a transição e o ano de 2021 como o estimado (não definitivo) para o apagão analógico.

Em 2006 foram aprovadas certas reformas legais conhecidas como Lei Televisa, que previram como mecanismo de outorga de novas concessões de TV aberta a licitação. Este procedimento, que é preferível a dar arbitrariamente concessões, realmente buscou ser uma barreira de entrada para novos competidores. Esta barreira tem sido tão efetiva que desde que entrou em vigor a lei e até agora não se conseguiu distribuir novas concessões.

Em 2010 se editou um acordo presidencial que fixava 31 de dezembro de 2015 como data para o apagão analógicoii. O projeto piloto das primeiras cidades que realizariam a transição à TV digital foi muito polêmico por várias razões. A primeira é pelo custo que representou entregar tanto os decodificadores como a instalação aos laresiii. A segunda porque se apagou o sinal analógico e, como essa região estava em processo eleitoral, o regulador decidiu ligar novamente o sinal analógico até que passassem as eleições.

A transição na Constituição

Em 2013, se fez uma reforma constitucional na qual se sinalizou: (1) que a transição à TV digital deveria ser concluída em 31 de dezembro de 2014, (2) o Executivo Federal deveria elaborar um programa de trabalho para esta, (3) os poderes da União deveriam apoiar a transição, (4) o Instituto Federal de Telecomunicações (IFT) como regulador é encarregado da política de transição à TV digital, e (5) iniciar licitações para ao menos 2 cadeias de TV com cobertura nacional.

Os problemas não tardaram a surgir. Primeiro, porque o IFT, ao ser um órgão constitucional autônomo, juridicamente não pertence aos poderes da União. Segundo porque o calendário estabelecido para a transição teve que ser suspenso em atenção à interpretação de que o depositário que financiava a compra de decodificadores e o custo de instalação, teria que ser substituído. Terceiro, porque a distribuição da funções para a transição definiu que o IFT estabeleceria a política, enquanto a Secretaria de Comunicações e Transportes faria um programa de trabalho para implementar essa política.

Ao se aproximar a data para o apagão analógico das cidades referidas sem que existisse programa de trabalho, nem ações por parte da SCT, o IFT decidiu postergar a data desta fase do apagão analógico.

O programa de trabalho finalmente foi expedido em 13 de maio de 2014. A SCT decidiu entregar televisores em vez de decodificadores aos lares que estivessem inscritos no programas de apoio social da Secretaria de Desenvolvimento Social. Além disso, argumentou que esses televisores teriam a funcionalidade de acesso à internet e buscaria acordos para que os concessionários que provêm acesso a internet possam oferecer tarifas preferenciais a lares com poucos recursos.

Reflexões para a conjuntura

México para efeito de transição à TV digital não é os EUA, nem a União Européia, por muitas razões. As principais:

Nos EUA e na União Européia existia uma forte necessidade de liberar espectro da banda dos 700 MHz, para poder ocupar esta banda para serviços de banda larga, toda vez que existia uma alta ocupação de canais. Essa liberação de espectro para aproveitar serviços de banda larga é o que se conhece como dividendo digital. A situação no México é totalmente diferente. México outorgou seletivamente e por razões políticas as concessões de TV aberta no século XX. A escassez de canais de TV aberta foi uma escassez artificial para garantir os ganhos econômicas das televisões e com eles a fidelidade destas para o controle político do governo vigente. Isto é, o México, mesmo outorgando canais digitais espelho, não estava na situação dos EUA ou da UE, porque o México poderia aproveitar a banda de 700 MHz e também ter outorgado novas concessões para TV aberta sem ter acontecido o apagão analógico.

Nos EUA se apoiou pessoas de poucos recursos, mas lá não se tem a indigna situação de pobreza existente no México, onde aproximadamente 46.3% da população vive na pobrezaiv. Assim, o custo da transição através de subsídios representa um custo infinitamente superior por uma simples razão: o número de pobres no México.

O efeito do atraso da transição à TV digital tem um impacto direto no interesse que possa despertar a licitação de novas cadeias de TV aberta no México. Isto se deve a que a TV aberta vive do número de anunciantes e das verbas da publicidade. O preço da publicidade está em relação direta com a audiência potencial de um canal dentro do horário de que se trate. Se não se dá o apagão analógico em 31 de dezembro de 2015, os novos concessionários de TV aberta teriam que oferecer a seus anunciantes uma audiência potencial menor. Adicionalmente, os novos concessionários enfrentarão fortes despesas para implementar suas redes, posicionar sua marca e ganhar audiência. Dificulta-se ainda mais porque o México, em vez de favorecer que as televisões sejam locais ou regionais para dar espaço ao localismo e à diversidade, optou por buscar cadeias com cobertura nacional, o que limita o número de potenciais interessados em participar na licitação respectiva.

A reflexão mais importante é a que escapou da discussão principal. Deveria o México dar prioridade à TV aberta no lugar do acesso da população à internet? Na minha opinião, não. O México deveria deixar que a transição fizesse seu caminho com outro tipo de incentivos e investir na inclusão digital. O então regulador de telecomunicações, a Comissão Federal de Telecomunicações, reconheceu que para levar o acesso a serviços de banda larga e internet a 98% dos mexicanos, através de uma rede dorsal de fibra ótica a ser construída, seriam requeridos 8,375 milhões de pesos, enquanto que para subsidiar decodificadores e antenas se estimava ao menos um gasto de 13,188 milhões de pesos. Por que o México optou pela TV digital mesmo quando os recursos exigidos eram maiores? Na era digital, o que preferiria você: um televisor digital ou acesso à internet e banda larga?

*Pesquisadora do Instituto de Investigações Jurídicas da Universidade Nacional Autônoma do México.

claraluzalvarez@gmail.com

Twitter: @claraluzalvarez

telecomysociedad.blogspot.mx

 

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