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A justiça declarou constitucional e aplicável a lei de serviços de comunicação audiovisual

Martín Becerra. Catedrático da Universidade Nacional de Quilmes, da Universidade de Buenos Aires (UBA) e Pesquisador independente no Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), Argentina*.

Guillermo Mastrini. Catedrático da Universidade Nacional de Quilmes e da Universidade de Buenos Aires, Argentina*.

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Depois de um processo judicial que levou quatro anos, em outubro de 2013 a Corte Suprema de Justiça da Argentina emitiu um parecer que declarou constitucional e plenamente aplicável a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, aprovada em 2009. O recurso judicial havia sido promovido pelo Grupo Clarín, por considerar que a lei 26.522/09 afetava direitos de propriedade adquiridos e atentava contra a liberdade de expressão.

Seis dos sete juízes supremos estabeleceram que a lei não afetava a liberdade de expressão e uma maioria mais apertada de quatro assinalou que a afetação dos direitos econômicos não resultava inconstitucional neste caso.

O parecer da Corte é muito significativo porque assenta jurisprudência do mais alto nível sobre o próprio conceito de liberdade de expressão. A sentença majoritária considera que há duas dimensões da liberdade de expressão. Uma de caráter individual, baseada no direito pessoal a fazer públicas as ideias, de que derivam direitos patrimoniais. E outra dimensão social ou coletiva, na qual se deve assegurar ao conjunto da população o direito a exercer sua liberdade de expressão. Em um tempo marcado pela centralidade dos meios de comunicação, a Corte Suprema expressa que a liberdade de expressão é indivisível da possibilidade de difusão das ideias, e a partir desta questão se depreende a importância do regime legal aplicável aos meios de comunicação para garantir ambas as questões.

A Corte Suprema argentina não avaliou a qualidade da lei audiovisual argentina, porque indicou que essa é tarefa dos legisladores, e destaca que a lei 26.522 “indica favorecer políticas competitivas e antimonopólicas para preservar um direito fundamental para a vida na democracia como é a liberdade de expressão e de informação”. Ou seja, a Corte analisa se a lei é proporcional e razoável a partir da vontade legislativa, respeitando de forma marcada a divisão de poderes.

A sentença se baseia na necessidade de promover e garantir um debate público robusto, como foi defendido pelo constitucionalista norte-americano Owen Fiss. Por isso, a Corte assinala que o princípio que a lei procura garantir é a pluralidade de vozes e que o Estado tem direito a estabelecer as limitações à concentração dos meios que estime necessárias, sempre que as mesmas não afetem a existência das empresas do setor. Uma das questões chave da sentença é a distinção realizada pela Corte Suprema entre rentabilidade e sustentabilidade. A Corte indica que se é verdade que a lei pode afetar a rentabilidade das empresas (e de fato reconhece seu direito a realizar um reclamo econômico pelas perdas que se ocasionarem), não se provou que a partir do processo de desconcentração as empresas vejam afetada sua continuidade, pelo que não afeta sua liberdade de expressão.

Desta forma, a sentença reconhece uma questão fundamental, como é a especificidade do setor de comunicação, cuja diversidade deve ser especialmente protegida, já que esta é a pedra angular de uma sociedade democrática: “à diferença de outros mercados, no da comunicação a concentração tem consequências sociais que se manifestam sobre o direito à informação, um bem essencial para as liberdades individuais” e agrega: “as restrições de ordem estritamente patrimonial não são desproporcionais frente ao peso institucional que possuem os objetivos da lei”.

Agora é imperioso que a lei se aplique cabalmente e, como bem adverte a Corte Suprema, resulta fundamental para isso que também quem tem a responsabilidade de implementá-la respeite a vontade do legislador.

Em seguida à validação da constitucionalidade da norma audiovisual por parte da Corte Suprema de Justiça, o grupo Clarín apresentou, nos termos previstos pela lei, um plano de adequação em que prevê separar-se em seis unidades que não terão vinculação societária entre si . A autoridade de aplicação (Afsca)  deu luz verde à proposta do Clarín e iniciou quase todo o restante das adequações, que se estenderão durante 2014. O único grupo sobre cuja situação a Afsca ainda não emitiu parecer é o Telefónica, que é o conglomerado mais importante no mercado de televisão aberta e que, em virtude da lei audiovisual, não pode explorar licenças dado que é controladora de uma das concessionárias do serviço público de telefonia fixa.

Os processos de adequação representam uma mudança porque pela primeira vez na história do país os grupos concentrados de meios de comunicação estão obrigados por lei a desfazer-se de licenças e a dividir-se, formalmente, como unidades econômicas para moderar sua presença no setor audiovisual. No entanto, o temperamento do governo e a capacidade regulatória do Estado argentino, junto ao poder de pressão dos grupos de meios, se combinam para que em muitos casos (sobretudo no interior do país) a adequação consista em uma reengenharia organizacional que reparte entre atuais acionistas as sociedades futuras. Isso provoca a crítica de atores da sociedade civil que abrigavam a esperança de que a desconcentração do mercado de meios pudesse abrir oportunidades de participação e acesso a licenças por parte de organizações sem fins de lucro. Na aplicação da lei audiovisual, estas organizações, até o momento, estão deixadas de lado.

O processo de adequações deverá ser controlado pelo Estado que, segundo a lei, tem que zelar para que não existam laços societários nem vínculos anticompetitivos entre as futuras sociedades nas quais se dividam os grupos. Se o processo de adequação for cumprido respeitando a lei, o sistema de meios audiovisuais da Argentina contará com maior quantidade de licenciados, mas estes seguirão sendo grandes empresários, mesmo que já não haja grupos conglomerados com o tamanho que hoje têm Clarín ou Telefónica.

Assim, os processos de adequação sintetizam aspectos de novidade por um lado, mas também limitações da lei e da capacidade estatal (por meio dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) para afetar a estrutura concentrada da propriedade do sistema de meios de comunicação. Os processos de adequação geram interesse no conjunto da região latino-americana, onde através de distintas estratégias se tenta modificar uma situação estrutural e historicamente consolidada de poucos grupos de enorme envergadura. O que está em jogo é a produtividade da regulação legal e da decisão política para alterar essa estrutura e, mais ainda, para que sistemas historicamente reativos à entrada de outros atores econômicos e sociais abram suas comportas.

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* Integrante del Comité Editorial de OBSERVACOM.

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