O voto na democratização da comunicação

«O que vemos nas atuais campanhas eleitorais é quase um total silêncio sobre o tema da comunicação e da democratização da mídia.»

Bruno Marinoni* / Brasil, setembro 2014

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A veiculação obrigatória pelo rádio e televisão do programa eleitoral das candidaturas que disputam cargos nas eleições brasileiras de 2014 teve início no último dia 19 de agosto e se estende até 2 de outubro. Nesse pouco mais de um mês, partidos políticos e coligações têm a oportunidade de se dirigir diretamente à população e pautar o debate público sobre o futuro do país sem a mediação das emissoras de radiodifusão. Trata-se de um raro momento em que se fura o bloqueio comercial erigido pelas empresas de comunicação (no qual só se torna pauta o que dá lucro ou interessa ao dono) e se declara “território livre” para se dizer o que quiser sobre o assunto que se quiser.

O programa eleitoral exibido no rádio e na TV seria uma ótima oportunidade para os partidos, furando esse bloqueio, pautarem temas que cotidianamente não integram o noticiário nacional, como a existência do oligopólio comercial de mídia no Brasil, que filtra pontos de vista divergentes. “Por que a Globo, por exemplo, resume a discussão sobre televisão e sobre si mesma a produções como o ‘Vídeo Show’, que não passa de uma vitrine da própria marca, evitando o debate sobre o direito à comunicação no país?”, poderia se perguntar.

Entretanto, o que vemos nas atuais campanhas eleitorais é quase um total silêncio sobre o tema da comunicação e da democratização da mídia.

Assunto ingrato

Quando analisamos a eleição presidencial, as candidaturas que possuem as melhores projeções de votação – Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB) – se limitam a defender genericamente a “liberdade de expressão/informação/opinião”. Sequer se referem em seus programas de governo ao problema da concentração da propriedade dos meios de comunicação de massa, da hipertrofia comercial do setor de comunicação, da impossibilidade de participação de determinados setores na produção de conteúdos, da reprodução de preconceitos e violações de direitos humanos promovidas pelos programas de rádio e TV, do arrendamento ilegal de concessões públicas, da criminalização das rádios comunitárias etc. Nem uma linha.

Em maio de 2014, a Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores, da atual Presidenta Dilma Rousseff, definiu diretrizes que apontavam para a inclusão do debate sobre regulação da mídia no programa de governo da candidata à reelelição. Boa parte dessas propostas provinha exatamente da experiência que membros do partido têm na militância em defesa da democratização da comunicação. Entretanto, o tema foi retirado da campanha eleitoral da candidata, restando apenas uma proposta de incentivo à indústria do audiovisual.

No que diz respeito à internet, o programa de Dilma ousa um pouco mais, falando de expansão da infraestrutura de banda larga, da implementação do Marco Civil da Internet, da promoção da participação e do acesso às tecnologias digitais. Não se define, por outro lado, nenhum compromisso com o regime público de exploração do setor. Em outras palavras, devemos assistir à continuação da política de expansão privada das telecomunicações com financiamento público por via direta ou indireta (renúncia fiscal).

Marina Silva, candidata que substituiu na corrida eleitoral o recém falecido ex-governador do estado de Pernambuco, Eduardo Campos, defende em seu programa de governo «transformar a conexão à internet em um serviço essencial (como eletricidade e água)», além de propor o investimento em tecnologias da comunicação que favoreçam a publicação de dados governamentais e permitam o envio de propostas da população ao governo por plataformas digitais. No que diz respeito à produção cultural, propõe a revisão dos critérios de incentivo ao audiovisual, valorizando a «estética e a pesquisa» em detrimento do resultado comercial.

O candidato Aécio afirma o seu compromisso com “a liberdade de expressão”, menciona sua preocupação com a ampliação do acesso à internet e com o estímulo à produção colaborativa, não apresentando, porém, de forma concreta, propostas de políticas que possam incidir nesses setores.

O silêncio sobre o tema da democratização da mídia revela a capacidade dos donos dos meios de comunicação de interferir na agenda política. Isso acontece por meio das relações diretas de radiodifusores com os partidos políticos, mas também por meio da coerção simbólica (uma espécie chantagem midiática) pela qual se sentem ameaçados os candidatos que ousam desafiar aqueles que controlam praticamente todos os canais de comunicação social do país.

Neste cenário, há a candidatura de Luciana Genro (PSOL), que pautou o tema da democratização da comunicação. Segundo o seu programa, a «quebra dos oligopólios midiáticos e sua política de voz única terá atenção especial, com ênfase para o fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação. Nosso incentivo será para instrumentos de comunicação alternativos, como rádios e TVs comunitárias, e aos meios públicos de mídia. Além disso, daremos ênfase a instrumentos de participação popular”. No entanto, o tempo de seu partido no horário eleitoral gratuito é irrisório, limitando o alcance e a expressão política necessária para este debate.

Proposta da sociedade civil

Para tentar interferir neste cenário crítico, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) produziu uma carta a ser encaminhada aos/às candidatos/as defendendo a importância do tema para a consolidação da democracia brasileira. Anexo à carta, encontram-se dois documentos que são fruto das propostas aprovadas pela sociedade civil na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009 com a participação de mais de 30 mil brasileiros e brasileiras para debater propostas para o setor.

Um dos documentos, intitulado “20 pontos para democratizar as comunicações no Brasil”, traz diretrizes fundamentais para um novo marco regulatório para o setor. O outro documento é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, que apresenta, em formato de texto legal, as prioridades definidas pelo movimento para a regulação da radiodifusão no país.

Os documentos buscam apontar para a importância do fortalecimento das emissoras públicas e comunitárias, das limitações à concentração da propriedade de meios de comunicação, da universalização da banda larga e da promoção da participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas de comunicação. São, em boa medida, uma síntese do debate que vem sendo travado pelos movimentos sociais brasileiros nos últimos 30 anos, inspirados, inclusive, por iniciativas similares que vêm surgindo em outros países da América Latina nos últimos anos.

*Bruno Marinoni é integrante do Coletivo Intervozes e doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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