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Concentração de mercado no acesso à internet: provedores comunitários como alternativa para a inclusão digital.

Em geral, no contexto brasileiro, temos poucas operadoras, com serviço de péssima qualidade e que não atende às populações como um todo. Assim, o acesso à internet perdura como um desafio ao exercício pleno da liberdade de expressão.

Laura Tresca e Marcelo Blanco*/Brasil/Dezembro 2016
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Em 2002, a ARTIGO 19 lançou a publicação “Acesso às Ondas: Princípios sobre Liberdade de Expressão e Regulamentação da Radiodifusão” em que discute a possibilidade de regulamentação estatal do espectro eletromagnético a fim de fomentar a pluralidade e diversidade de meios e de ideias e opiniões. O sopesamento dos interesses comerciais e interesse público, assim como o limiar entre a gestão do interesse público e controle governamental foram alguns dos desafios abordados. Quase 15 anos depois, no contexto de convergência digital, torna-se imperativo uma reflexão sobre a atualidade dos conceitos utilizados à época. Qual a nova definição de mídia? A regulamentação ainda seria necessária em um cenário em que se alega abundância de conteúdo midiático? Como deveria ser abordado o impacto das plataformas dominantes sobre a pluralidade e diversidade? São muitas perguntas e poucas respostas simples e objetivas.

Na prática, observamos não só a manutenção da concentração de meios de radiodifusão na América Latina, mas também a concentração de mercado no acesso à internet. No Brasil, por exemplo, a operadora Oi, que possuía grande parte do mercado de telecomunicações, incluindo provimento de internet, pediu recuperação judicial no valor de R$65,4 bilhões em junho de 2016. A tendência é que a parcela do mercado seja absorvida somente por outras duas gigantes, a Claro e a Telefónica. Esta última, por sua vez, comprou no mesmo ano a GVT, uma das poucas grandes empresas de provimento de internet que ainda não pertenciam a um grande conglomerado atuando no país. A GVT pertencia ao grupo francês de mídia Vivendi, que trocou a GVT por participação nas ações da Telefónica Brasil e na Telecom Itália. Em geral, no contexto brasileiro, temos poucas operadoras, com serviço de péssima qualidade e que não atende às populações como um todo. Assim, o acesso à internet perdura como um desafio ao exercício pleno da liberdade de expressão.

De acordo com a última pesquisa TIC Domicílios, disponível, em 2015, apenas 51% dos lares brasileiros tinham algum acesso à Internet no Brasil. Nas áreas rurais, 78% dos domicílios não têm acesso à internet. Em 76% dos lares com renda familiar até um salário mínimo não há conexão. Mesmo nas regiões com maior penetração de Internet, as velocidades de acesso ofertadas ainda são limitadas. No Sudeste, onde se encontra o melhor desempenho do indicador de velocidades, a faixa de velocidade entre mais de 10 Mbps a 20 Mbps, por exemplo, somente é utilizada por 12% das pessoas (TIC DOMICÍLIOS, 2015). A desigualdade regional também é significativa no país: o cenário de oferta dos serviços ainda é bastante desigual entre as regiões brasileiras, sendo notável que mais da metade da população da região Norte (53%) não possui acesso e sua velocidade de acesso é a menor no país, sendo que somente 2% dos usuários possuem velocidade acima de 10mbps (TIC DOMICÍLIOS, 2015).

Quando a iniciativa do Facebook para promover conectividade, o Free Basics (anteriormente denominado Internet.org) foi anunciado, organizações da sociedade civil voltaram a refletir sobre qual seria o melhor modelo para conectar os mais pobres, uma vez que inicialmente a proposta da empresa traria limitações sérias ao efetivo acesso à Internet, potencialmente violando o princípio da neutralidade de rede e acarretando também fortes efeitos anti-concorrenciais a longo prazo.

No Brasil, há apenas políticas governamentais, pontuais, com a finalidade de inclusão digital. Durante muito tempo, um dos principais esforços com essas características foram os telecentros – que chegaram a contar, inclusive, com algum apoio governamental nas diversas esferas, com as mais variadas possibilidades e limitações. Diante desse contexto, ficam justificadas e legitimadas práticas autogestionárias e comunitárias para enfrentamento da exclusão digital – para além da busca por regulamentações e intervenções do poder público. O serviço de provimento de acesso à internet desempenha papel fundamental para aumentar o acesso à rede, ampliando a inclusão digital e a infraestrutura crítica de internet. Nos últimos anos, portanto, ganha força e relevância o debate sobre o uso do espectro eletromagnético1 para a inclusão digital.

Uma alternativa para a inclusão digital que vem sendo experimentada em algumas comunidades brasileiras, mas ainda de maneira não massiva, é o uso do espectro para a criação de redes autogestionadas.  Trata-se de infraestrutura de comunicação popular aberta, descentralizada e gerida pelos seus próprios usuários. É o que chamamos de provedores comunitários. Este modelo de conexão não se baseia no simples fornecimento de acesso à internet, mas proporciona a comunidade onde está inserido interações sociais em torno da tecnologia – assim como telecentros e lanhouses costumam fazer.

Ele ajuda ao desenvolvimento local mediante a disponibilização de sinal de internet para fins sociais diversos. Permite a divulgação de ideias, manifestações culturais e políticas, hábitos sociais, acesso a educação, capacitação e a inclusão digital tanto nos centros urbanos quanto nas áreas rurais. Além do acesso à internet, o provedor permite a criação de uma rede interna com possibilidade de serviços locais. A comunidade será capaz de criar um espaço virtual em que poderá compartilhar dados e criar aplicativos que somente poderão ser acessados por quem estiver conectado à rede comunitária. Este tipo de ferramenta pode fortalecer os laços comunitários e movimentar a vida local.

O provedor comunitário pode ser o principal canal de comunicação e de divulgação das atividades ocorridas na comunidade. As possibilidades advindas da montagem de um provedor são inúmeras, dependendo somente da apropriação que cada comunidade fará da tecnologia. A rede interna pode contar com serviços de trocas entre os moradores, estimular a economia do compartilhamento, assim como a organização social e política.

O provedor comunitário é somente uma ferramenta. A comunidade é quem decide como usá-la. Trata-se, portanto, de uma alternativa emancipadora e importante para o enfrentamento da concentração de mercado no acesso à internet que tem surgido na América Latina e deve ser fomentada e observada por gestores públicos, acadêmicos e ativistas como possibilidade relevante e legítima de alternativa de modelo de conectividade.

* Laura Tresca é mestre em Comunicação Social e jornalista pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Cientista social pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou no Observatório Nacional de Inclusão Digital – ONID. Foi coordenadora nacional de comunicação da Rede Casa Brasil de Inclusão Digital do Governo Federal. Atualmente, é oficial do Programa de Liberdade de Expressão da ARTIGO 19.

Marcelo Blanco é assistente do programa de Direitos Digitais da Artigo 19. É formado em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e cursa graduação em Filosofia na Universidade de São Paulo (USP).

1 O espectro eletromagnético é o intervalo completo de todas as possíveis frequências da radiação eletromagnética. É o espaço aéreo por onde trafegam dados e nesse intervalo está contida a faixa de frequência utilizada também para acesso à internet em locais remotos, também conhecida como internet via rádio.

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